Não surpreende o fato de que tantos projetos de conteúdo e campanhas de marketing falhem: as pessoas não se importam com eles.

Por Silvia Paladino

Narrativas contam histórias. Não há definição mais básica e legítima para essa categoria de conteúdo. Só que definir não é o mesmo que reconhecer.

Com a popularidade do conteúdo narrativo, ou storytelling, termo do qual o marketing se apropriou, as coisas ficaram bastante esquisitas – mas não inesperadas – para quem entende minimamente de criação de histórias, sejam elas em texto, vídeo ou qualquer outro formato.

Não surpreende o fato de que tantos projetos de conteúdo e campanhas de marketing falhem: as pessoas não se importam com eles. E motivos para isso não faltam.

A seguir, listei (apenas) algumas ineficiências que tornam a tentativa de narrar uma grande perda de tempo – para quem o faz e para quem consome.

Inconsistência

Toda narrativa precisa de um fio condutor – recurso que, na literatura, faz com que as palavras possam convergir em um único fluxo, um só desfecho. Da mesma forma, toda estratégia de conteúdo requer que cada narrativa ligue-se a uma rede de ideias interconectadas.

Criatividade e originalidade, afinal, significam muito mais que caos e desconstrução. Mas, na prática, o que existe por aí, dentro das estratégias de produção de conteúdo para marcas, é um volume imenso de informações desconectadas, ainda que elas rodeiem o mesmo tópico. E não há quem possa se orientar nesse enigma sem graça.

Falsa identidade ou sofisticação

Poucas coisas são tão cafonas e cansativas na produção de conteúdo narrativo quanto falsa identidade ou sofisticação. Constance Hale, que foi minha professora da pós-graduação em Escrita Criativa na UC Berkeley, e também é autora de “Sin and Syntax” – um dos livros mais úteis sobre eficiência de escrita que eu conheço – tem um argumento didático: “Frases pomposas frequentemente servem a propósito algum além de inflar o ego do autor”.

Simplicidade e honestidade são qualidades infalíveis de um conteúdo de impacto, ainda que não se bastem.

Excessos

Não é por acaso que todo conteúdo produzido precisa de um editor: os mais lúcidos e bem intencionados dos criadores irão falhar na lição que C.S. Lewis e todos os grandes profissionais das artes ensinam: “Dizer exatamente o que você quer, nada a mais ou a menos, ou diferente do que você realmente pretende: essa é toda a arte e a diversão das palavras”.

Na edição de texto ou imagem, identificar e eliminar excessos são enigmas complexos, que revelam a real capacidade de um profissional das narrativas.

Clichês

Eles estão instalados nas pontas dos dedos que tocam o teclado e tatuados na mente de qualquer ser humano que respire. Já não me lembro da autoria da definição a seguir, mas ela é precisa: clichês são “frases e expressões enfraquecidas de significado pelo seu uso em excesso”. Esse conceito também pode ser estendido a roteiros, personagens e outros elementos de uma história.

Evitar os clichês no conteúdo narrativo é mais difícil do que parece; por outro lado, eles evidenciam facilmente a pouca maturidade e competência de quem o produz. E não precisa ser profissional para notar: esta e quase todas as demais ineficiências de um texto ou vídeo impactam intuitivamente a experiência de que os consome.

Falta de originalidade

O foco no algoritmo e na busca por tráfego comprometeu o que mais importa: o que importa às pessoas. Nesse sentido, as estratégias de conteúdo de marca precisam nutrir mais a sua audiência orgânica, e menos o algoritmo. O que separa essas duas estratégias – e não deveria – é a originalidade.

Um artigo já não muito recente que conta o reposicionamento da plataforma Buffer diz: “Nosso conteúdo deve ser o nosso produto (assim como o de um negócio de mídia). Não devemos mais pensar em conteúdo para atrair assinantes para o Buffer, mas sim conteúdo para construir uma audiência fiel de pessoas que se parecem com um cliente ideal do Buffer”.

Se toda a sua audiência provém de conteúdos impulsionados, você tem um problema.

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Se você, que chegou até aqui, teve a impressão de que produzir conteúdo narrativo não é nada trivial, e que possivelmente boa parte do que produz pode ser aprimorado, saiba: diferentemente de um atleta, que corre o risco de colapsar ao esticar os limites do próprio corpo, não há limites para contar a melhor história. Basta saber como.

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