Investidor e empreendedor, Cássio Spina afirma que é preciso acreditar na ideia – mas que esse ideal não pode ser tornar uma insistência arrogante

Adriele Marchesini*

Você que está aí do outro lado da tela há de concordar que cada galáxia do universo corporativo funciona como um teatro, regido por acordos tácitos e códigos de conduta. Um estilo de roupa aqui, uma risadinha acolá, uma troca cênica de cartões. No pano de fundo dessa coreografia está o que realmente move protagonistas e figurantes: interesse. Todos concordam veladamente que as relações são niveladas em uma escala de importância a partir do retorno que elas podem dar. E cada um sabe o papel que tem que desempenhar, a depender do quanto tem para oferecer e o quanto ousa pedir. Quanto maior a oferta, maior o poder. E foi por ter esse entendimento consolidado que a conversa com Cássio Spina, fundador da Anjos Brasil, deu um nó na minha cabeça.

A voz do Cássio é calma e não guarda tons impositivos que não seriam incomuns a quem está acostumado a ser buscado para fornecer opinião e, claro, dinheiro. “Quando me perguntam o que eu acho de uma ideia, eu sempre falo: ‘olha, eu posso dar minha opinião, mas antes de mais nada você precisa saber que eu vou mais errar do que acertar. Então, qualquer opinião que eu te dê, a chance de acertar é no máximo 50% – e olhe lá’. A gente tem que ter um pouco, vamos dizer, de humildade, e reconhecer isso”, disse no episódio mais recente do podcast Vale do Suplício**

Um pouco de, vamos dizer, humildade

O “isso” que precisamos reconhecer, segundo o empreendedor e investidor, é a contingência, a probabilidade de falha. Mas aqui a dose deve ser medida, conforme o papel de cada pessoa no acordo. Ao investidor, fica reservado o direito da dúvida, que entrará no cálculo da decisão sobre liberação, ou não, do aporte.  Ao empreendedor, cabe acreditar, uma vez que este é ingrediente elementar na mobilização da força necessária para materialização de uma ideia. Essa esperança, contudo, não pode se tornar uma insistência desmedida. 

“É o ‘acreditar sem ser arrogante'”, continua, explicando que a presunção começa quando a pessoa se fecha para opiniões contrárias e bate no peito garantindo ter razão. Esse tipo alfa, dominador, que chega a ser aclamado em muitas rodas de empreendedorismo, não encontra espaço com Cássio. “O problema não é ele não me ouvir, mas não ouvir o cliente dele. Isso é mortal. E veja, não é o que o cliente fala, mas é o que o cliente quer dizer.”

Empreendendo no mato alto

Cássio fundou sua primeira empresa aos 19 anos, quando na década de 1980 palavras como “startup”, “valuation” e “funding” não compunham o vocabulário brasileiro. Desenvolvedor autodidata, foi buscado por uma empresa para programar um software. Quando entregou o projeto, notou que o produto poderia ser útil não somente àquele cliente, mas a todo um mercado. 

O mato do empreendedorismo era alto, e a carreira na área era considerada como uma alternativa a quem não conseguisse um bom emprego, daqueles de verdade, sabe? Por sorte, o estudante de engenharia elétrica tinha na mãe, empreendedora do segmento de moda, o exemplo de uma outra narrativa. Começava, aí, uma jornada empreendedora que não teria fim.

O berço esplêndido onde não devemos deitar

Os mais de 20 anos como empresário no ramo de tecnologia da informação e comunicação só foram possíveis porque Cássio foi capaz de desapegar de seus sucessos. A empresa de software ia bem, mas àquela época o hardware era o verdadeiro dominante, dando um retorno dez vezes maior.  Sem conhecer tal expressão abrasileirada, ele “pivotou” o modelo de negócios para equipamentos de conectividade, em 1992. Os anos passaram, hardware começava a perder a tração e era hora de apostar em integração e serviços no ramo de telefonia IP. 

Como Cássio ensina, não dá para ficar deitado em berço esplêndido. “Empreender é um processo contínuo. E é preciso ter uma vontade sincera. Aquele que empreende porque pensa que esse negócio é glamouroso, que vai ganhar muito dinheiro, sair em capa de revista, está empreendendo pelos motivos errados. Porque há mais chance de dar errado do que de dar certo. Então você só vai conseguir superar todos os desafios de dificuldades se realmente for uma paixão. Para mim é quase um vício.”

Em 2009, veio a vontade de trocar de lado da mesa e se tornar investidor.  Mas vício é vício. 

O anjo da boa nova

Na busca por informações no Brasil sobre investimento anjo, conceito que ele tinha conhecido nos Estados Unidos, Cássio encontrou uma lacuna, uma demanda não atendida: tudo o que havia de indexado em português na internet sobre o assunto era uma nota de rodapé em um documento. Em 2011, lançou a Anjos do Brasil, dando estrutura à boa nova ainda incipiente por aqui: a de pessoas físicas com dinheiro e conhecimento para alocar em startups com ideias inovadoras e pouco recurso.

Hoje, mais de 500 investidores compõem a associação sem fins lucrativos, que coordenou cerca de 185 aportes em pouco mais de uma década e trabalha ativamente na construção de políticas públicas, coordenação e engajamento entre grupos de investimento anjo no Brasil, realização de eventos, ciclos de mentoria gratuitos e formação a investidores, empreendedores e conselheiros de startups. 

Ideias e ideais

São muitos os aprendizados na lida com o vício de empreender, mas a combinação de dois salta aos olhos: Cássio não busca boas ideias; busca bons empreendedores. E por bons empreendedores entenda aquelas pessoas que compartilham valores; pessoas nas quais se possa confiar além do negócio. A segunda, que fecha perfeitamente o ciclo com a primeira, é de que, muitas vezes, uma má ideia pode ser consertada. Já a falha de caráter, em grande medida, dificilmente tem solução. 

Esse artigo foi publicado originalmente no portal Terra, leia aqui

*Adriele Marchesini é jornalista especializada em TI, negócios e Saúde com quase 20 anos de experiência. Depois de passar por redações de veículos como Estadão, Infomoney, ITWeb e CRN Brasil, cofundou as agências essense e Lightkeeper,  as quais já ajudaram mais de 80 empresas na construção de conteúdo narrativo multiplataforma para negócios. É coâncora do podcast Vale do Suplício. 

**Criado pelas jornalistas Adriele Marchesini e Silvia Noara Paladino, o podcast Vale do Suplício nasceu como uma contracultura aos empreendedores de palco – os típicos CEOs de MEI, escritores de textões no LinkedIn – para contar a história de empreendedores que falam pouco, mas fazem muito. Ouça no Spotify.

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