A gente falhou como humanidade produtora de conteúdo para negócios quando deixou de ser people-pleased para ser Google-pleased

por Adriele Marchesini* 

Ninguém aguenta mais conteúdo feito para algoritmo.

Eu não aguento, você não aguenta. Isso é certamente algo que temos em comum. 

Talvez um fato que não partilhemos seja o de eu ser cofundadora de uma agência que, veja bem, produz conteúdo original e multiplataforma para negócios. De eu ser jornalista, e tal qual o martelo que por onde anda só consegue enxergar pregos, ser incapaz de fazer outra coisa da minha vida. (E aí, deu um suspiro de alívio por não estar nessa fina e desconfortável pele na qual habito?) 

Talvez você considere que seja uma triste incoerência essa a minha de colocar para fora toda a insatisfação que nós aqui, na agência essense, temos com a indústria do conteúdo, exatamente, produzindo um conteúdo. Teria o martelo atacado novamente, incapaz de escolher outro meio de vida se não aquele ao qual foi destinado? Não seria ele versado na arte de se reinventar e ressurgido como, por exemplo, um mal ajambrado objeto decorativo? Um pouco de sim, mas um tanto ainda maior de não.

Ninguém aguenta mais conteúdo feito para algoritmo por um motivo tão simples quanto óbvio: o material é feito para atender às necessidades de um robô, algo que, definitivamente, eu não sou e imagino que você também não o seja. As técnicas que garantem um bom rankeamento nos sistemas de buscas – aka Google, pra dar nome aos bois – não satisfazem. Não tocam. E o conteúdo fica chato. Chatíssimo. Um porre. Tô mentindo?

Google-pleased writing rules

O robozinho do Google gosta de textos com um formato bem específico. 

Eles geralmente têm um título que aparenta resolver todos os seus problemas. “Por que a sua estratégia de negócios não funciona”. “Os riscos de cloud computing. “Como o Chat GPT vai mudar a rotina corporativa”. 

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Os dois ou três primeiros parágrafos são criados a partir do bingo do marketing de conteúdo: joga-se um monte de palavras mais gastas (clichês) do que aquela meia gostosa de dormir, toda desbeiçada, sabe? “Com a transformação digital”, “a única constante é a mudança”, “muito se fala sobre”, “há muitas dúvidas em torno” (já peguei aqui até uns “entorno”, misericórdia) … confessa pra mim: assim como eu, você também pula essa parte, né?

Aí, somos agraciados por um intertítulo muito parecido com o próprio título do texto, e quando você chega até ele, talvez se depare com uma lista. Aqui me permita um adendo: eu amodeio listas. Amo porque fica fácil de consumir a informação, nessa necessidade premente que temos de economizar tempo para poder fazer outras tarefas e economizar tempo nessas próximas tarefas para poder fazer a próxima tarefa e economizar tempo da tarefa seguinte. (Será que não somos robôs, mesmo? Enfim). E odeio porque, bem, listas, né. Segundo o Data Vozes da Minha Cabeça, 98% delas propõem a salvação e acabam por ser aquele ajuntamento de obviedades, com explicações rasas mais requentadas do que a marmita do final da semana.

Aí, o texto parte para a conclusão, já que há uma meta de caracteres para o senhor Google aprovar. Nesse pedaço vem mais uma sequência de obviedades que nasceram para ser figurantes enjeitadas que jamais cumprirão o propósito de serem lidas porque, né, who cares. 

E aqui eu dei exemplo do texto, mas transporte-o para demais formatos, respeitando a linguagem de cada um. É sempre a mesma coisa: título chamativo e imperdível, conteúdo engessado, sensação de “?” ao final.

A gente falhou como humanidade produtora de conteúdo para negócios quando deixou de ser people-pleased para ser Google-pleased. 

A peneira figurativa e o poder da narrativa

Se passarmos todo esse monte de conteúdo por uma peneira figurativa, sobra pouco, pouquíssimo, conhecimento. 

(Roubei essa tirinha do perfil do Cezar Taurion – que, aliás, só escreve quando tem algo a dizer. E ele escreve MUITO)

Ainda assim, 54% dos projetos de marketing de conteúdo dão resultados favoráveis, segundo nos conta a pesquisa 2023 do Content Marketing Institute. O conteúdo como forma de construção de engajamento e negócios funciona, e não tome isso como declaração de um martelo desesperado. A construção e o compartilhamento de conhecimento é parte fundamental da nossa civilização. Mas nem por isso o conteúdo produzido para negócios precisa ser chato.

A Joan Didion tem uma linda frase: “We tell ourselves stories in order to live”. A gente gosta de história. Ela preenche nosso dia, nossa vida. Mas precisa ser bem contada. Precisa preencher algum vazio, em vez de se amontoar no mar de obviedades. 

A construção de uma narrativa de impacto realmente envolvente, que seja capaz de gerar conexão afetiva ao mesmo tempo em que transmite a mensagem, não é coisa para todos. Arrisco dizer que, sequer, para muitos. Requer técnica que atenda a humanos, não a máquinas. Requer intenção genuína de compartilhar alguma ideia. E essa ideia não precisa ser grande, imensa, ou ser mais uma mediocridade fantasiada de belas palavras para soar deslumbrante. Pode ser simples, cotidiana, e até baseada em um ranço – como esta daqui, que, espero, você tenha lido até o final.

Adriele Marchesini é cofundadora das agências essense e Lightkeeper,  as quais já ajudaram mais de 80 empresas na construção de conteúdo narrativo multiplataforma para negócios, e do Unbox Project, programa de desenvolvimento de lideranças com foco em inovação e economia sustentável. Jornalista especializada em TI, negócios e Saúde, tem quase 20 anos de experiência. É coâncora do podcast Vale do Suplício

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