Blogs de empresas, sites de notícia e LinkedIn estão abarrotados de textos supostamente autorais, monótonos e dispensáveis – e esse é um gargalo técnico

Nos meus quase 20 anos de trabalho no jornalismo, na escrita literária e na curadoria de conteúdo, eu aprendi uma coisa: não adianta simular um conteúdo autoral, fazendo de uma mera assinatura a tentativa de criar um posicionamento eficiente e autêntico. O mais distraído dos leitores percebe a falta de originalidade dos famigerados artigos escritos por especialistas, executivos e acadêmicos – ou, como prática comum, por suas equipes de comunicação. E isso não significa que eles não tenham o que dizer.

A reprodução de textos que nada acrescentam ao leitor tem uma origem técnica, seja ela resultado de desconhecimento de melhores práticas, pouca experiência, vícios de escrita ou, no pior dos casos, negação das próprias deficiências.

Quais os problemas, na prática, desses artigos? Onde é que assessores e jornalistas, no papel de ghostwriters, falham? É o que vamos examinar juntos, a partir de alguns focos de desenvolvimento para uma escrita correta, clara e concisa.

Uma fórmula falida

Eu venho do jornalismo setorial – negócios e TI. Vivenciei o encolhimento das redações da mídia especializada e, com ele, a redução da produção editorial. Quem surgiu, nesse contexto, para ajudar a preencher o vácuo das coberturas impossíveis? Tchanam: o artigo de executivo. As assessorias de imprensa gostaram: os jornalistas não estavam mais tão disponíveis para cobrir pautas, mas abriram mais espaço para conteúdo “opinativo e de qualidade” de terceiros.

Até aí, nada de errado. Porém, em poucos anos, o volume desse tipo de conteúdo explodiu não só nos veículos, mas nos canais digitais diretos de marcas e profissionais. Então, replicamos inúmeras vezes um formato incapaz de criar autoridade e relevância: o da repetição de conclusões generalistas, superficiais e incompletas, com algum toque de opinião. Os supostos autores se apropriam dessas ideias na tentativa de mostrar que sabem do assunto. E, assim, a produção de conteúdo “autoral” formou um deserto de palavras – desabitado e monocromático.

Veja: da próxima vez que receber da sua agência de comunicação um texto que contenha frases como “a transformação digital é um caminho sem volta”, “ela vai mudar a forma como vivemos e nos relacionamos”, “a TI precisa estar alinhada ao negócio”, “o perfil do consumidor mudou”, “ele é mais exigente e busca experiência” e frases equivalentes, devolva o artigo. Diga: “quero algo melhor do que isso”.

Apuração pro forma

No trabalho de construção de artigos tradicionalmente feitos pelas assessorias de imprensa, o problema começa na apuração. E se você acha que escrever é uma arte, experimente ter que, antes disso, extrair o conhecimento e a experiência de alguém – ou, pior ainda, ensinar essa habilidade a outra pessoa. No ghostwriting, apurar não é apenas obter respostas – “qual a sua visão sobre transformação digital?”, “qual o estágio de maturidade desse mercado?”, “quais as tendências que você vê nesse setor?” podem iniciar um diálogo, mas não defini-lo. Apurar é, sim, criar vias por onde o conhecimento da fonte possa fluir, de maneiras que ela nem sabia como ou se poderia fazer.

No TED Talks, a equipe de jornalistas encarregada de preparar o potencial palestrante é orientada a “captar o momento em que os olhos dele brilham”, como diz Chris Anderson,  curador da plataforma. Perdoemos o Chris pelo clichê (falaremos deles adiante) para entender a mensagem em si: uma fala envolvente depende da conexão sincera do orador com o tema, do domínio que possui sobre o assunto e, principalmente, do ponto de vista que apenas ele é capaz de revelar, pois essa perspectiva está ancorada em sua própria história, experiência e compreensão sobre o mundo. Na redação de artigos, o princípio é o mesmo.

Autor de aparências

Inteligência e sensibilidade para apuração, como vimos, edificam a incubadora de conteúdos de impacto – e, claro, de textos verdadeiramente autorais, com elementos específicos e visão de bastidores. E quando há inconsistência nessa etapa, fica praticamente impossível criar ineditismo e originalidade. Na tentativa de construir um texto pessoal, o redator espalha pelos parágrafos posicionamentos ocos e dispensáveis, como “na minha opinião”, “no meu ponto de vista”, “ouso dizer que”, “sou defensor de que” e similares, que em nada contribuem com o desenvolvimento da ideia.

Não tenha medo: elimine todas essas colocações.

Falsa sofisticação

Poucas coisas são tão bregas na escrita quanto falsa sofisticação. Constance Hale, professora de uma de minhas aulas na UC Berkeley e autora de “Sin and Syntax” – um dos livros mais úteis sobre eficiência de escrita que eu conheço – tem uma defesa ótima para isso: “Frases pomposas frequentemente servem a propósito algum além de inflar o ego do autor”.

É fácil identificar os impostores:

– Ordem indireta de frase: se você não é um autor experiente, que faz uso desse recurso como elemento legítimo de estilo em textos literários, somente pare. Mantenha sujeito, verbo e complemento em seus devidos lugares;

– Uso de sinônimos só para demonstrar cultura e vocabulário: diga o que você realmente quer dizer, buscando palavras simples, curtas, específicas e concretas, e que sirvam ao entendimento da ideia pelo leitor. Esse é o melhor que você pode fazer por ele.

– Jargões: na produção de conteúdo setorial, os jargões de negócio e outros específicos de cada mercado são elementos naturais da conversa e do texto, e ajudam a estabelecer uma comunicação precisa. Mas, na tentativa de se comunicar com o cliente ou uma audiência diversa, os jargões – especialmente os pretensiosos e inúteis – podem se voltar contra seus criadores – médicos, advogados, técnicos, CEOs. 

Excessos

Não é por acaso que todo texto precisa de um editor: os mais lúcidos e bem intencionados dos autores irão falhar na lição que C.S. Lewis e todos os grandes profissionais da escrita ensinam: “Dizer exatamente o que você quer, nada a mais ou a menos, ou diferente do que você realmente pretende: essa é toda a arte e a diversão das palavras”.

Alguns focos de excessos e bagunça que você pode eliminar imediatamente:

Termos vagos: repare em fragmentos como “o fenômeno da saúde” e “o movimento da transformação digital”. Uma escrita eficiente e confiante não precisa de penduricalhos. Portanto, elimine-os.

Palavras em excesso: por que dizer “no que diz respeito a” quando “sobre”, “em termos de” ou mesmo “em relação a” encurtam o caminho? Esse item também inclui pequenas palavras que tentam qualificar o que pensamos e sentimos – “um pouco”, “um tipo de”, “muito” – mas que, no fim, diluem estilo e capacidade de persuasão.

Advérbios: preste atenção em termos como “acariciar gentilmente”, “rejeitar totalmente” e “realmente único”. Agora, me diga se você não viu nada de esquisito neles. Em todos os casos, os advérbios são “totalmente desnecessários”, tá?

Eufemismos: as agências de assessoria de imprensa e comunicação interna adoram essa “prática”, que esconde a realidade em vez de revelá-la. É quando “demissão” vira “reestruturação”, ou “instrução” ganha o apelido fofo de “lembrete”.

Voz passiva

De todas as partes de uma sentença, o verbo é a que movimenta todo o conjunto e faz o texto ecoar em nossa mente. Constance também tem uma definição categórica sobre o poder da ação na narrativa: “Mais que qualquer outra parte do discurso, é o verbo que irá determinar se um escritor é um covarde ou um mago”. E há algumas maneiras de confundir o leitor sobre quem é você, autor, nessa história.

O uso excessivo ou automático dos verbos “ser” e “estar” (de caráter estático, assim como manter, parecer, sentir, tornar-se) reduz a chance de construir um texto envolvente. Por isso, sempre que puder, faça a substituição por um verbo dinâmico e específico – realizar, sofrer, terminar, mudar, desejar, acordar, direcionar…

Outra construção que você pode eliminar do seu “estilo” é a voz passiva, que o pessoal da comunicação corporativa adora. Quando dizemos que “as medidas cabíveis estão sendo tomadas”, desfocamos  a relação entre a ação e quem a comete. E, independentemente da intenção ou da falta dela, esse tipo de estrutura enfraquece a narrativa.

Clichês

Eles estão instalados nas pontas dos dedos que tocam o teclado, diluídos na carga de tinta da caneta e tatuados na mente de qualquer ser humano que respire. Já não me lembro da autoria da definição a seguir, mas ela é precisa: clichês são “frases e expressões enfraquecidas de significado pelo seu uso em excesso”. 

Evitá-los do início ao fim do texto pode ser mais difícil do que você pensa, mas o esforço compensa. Clichês evidenciam pouca maturidade de texto, preguiça e falta de originalidade. E eu sei que você já usou um ou mais desses:

– Está chovendo pedra.

– Que a justiça seja feita.

– Quem vê cara não vê coração.

– Fechar com chave de ouro.

– Ultrapassar barreiras.

– Correr atrás do prejuízo.

– Em um piscar de olhos.

– O esporte (ou qualquer outra atividade) é a sua paixão.

Pode parecer um ponto de partida básico demais, mas você vai se surpreender com os efeitos dessas melhores práticas ao exercitá-las. Afinal, clareza, precisão, concisão e simplicidade indicam maturidade de um autor, levando-o a descobrir sua própria voz, estilo e fonte de originalidade.

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