Ou porque a comunicação, responsável pela construção da sociedade como a conhecemos hoje, é fator crucial para definir novas bases estruturais para o sistema

O Homo Sapiens era um bicho como qualquer outro, até que um fato inédito o fez se descolar das condições primitivas que até hoje encarceram as demais espécies: passou a conversar sobre coisas não concretas, como deuses, histórias e a vida alheia. Que nobre, não? O nosso ímpeto por fofocar foi o pontapé para a Revolução Cognitiva, que se desdobrou até chegarmos ao status consciencial de hoje. 

Desculpe abrir este artigo fazendo referência a Yuval Noah Harari e seu best-seller Sapiens. Entendo que  referências à obra estão surradas já, de tão usadas. Mas prometo que tenho um ponto, então não desista deste texto ainda. 

Dominamos o fogo, as ciências, criamos sociedades, moedas, organizações familiares, empresariais e tudo o mais graças à capacidade de comunicação de nossa espécie. Ela pode, de forma geral, não ser tão clara, ética ou efetiva quanto gostaríamos – mas, inegavelmente, permitiu feitos gigantescos. 

Só que a espécie evoluiu, e suas demandas, também. Daí surgiram estruturas tão complexas quanto o setor de Saúde. E num piscar de olhos, estamos em 2020, lidando com a irrefreável derrocada do sistema em um horizonte não muito distante, caso a gente não mova os pauzinhos. Ou melhor: não mova as colunas estruturais que sustentam toda a cadeia.

E essa necessária revolução é um problema de comunicação. E somente de comunicação, porque é da capacidade de construir diálogos que sairão soluções que atendem ao maior número possível de pessoas. 

A insolvência do sistema não é um problema setorial, nem um problema do paciente – esse ser mitológico ao qual nos referimos em tantos congressos. O paciente sou eu. O paciente é você. O paciente é a nossa espécie. Aliás,  a condição de paciente é aquela que mais queremos evitar. E já estamos falando sobre isso – a troca do viés sob o qual o sistema roda, passando da cura da doença para manutenção da saúde. 

Mas gerar a boa vontade coletiva necessária para que se construa nova mentalidade, que vai inverter a forma como se lucra hoje (e tem muita gente lucrando ainda) e se trabalha, demandará bastante energia. Mudança de mentalidade não é um trabalho trivial – o interlocutor precisa ter clareza de que a opção apresentada pelo outro é melhor para ele, assim, ele toma essa visão como sua. E resgatar alguém do labirinto de seu próprio modo de pensar é tarefa complexa, que demanda paciência, entrega e, acima de tudo, sinceridade. 

A vulnerabilidade e exposição que a sinceridade promove revertem-se, com o tempo, em reputação. E quando há reputação, o ambiente é fértil para a construção de relações de confiança – aí, sim, as paredes do labirinto mental começam a desmoronar. 

Não se trata de uma questão entre fonte pagadora e fonte receptora. Emprestando o conhecimento do Harari mais uma vez, operadoras de Saúde e rede credenciada – assim como o dinheiro, pelo qual tanto prezamos – são meras ficções coletivas, nas quais topamos, por livre e espontânea vontade, acreditar. Por trás de CNPJs, contas a pagar e a receber, tem aquele bicho que, lá atrás, aprendeu a fofocar. E só quer se manter vivo, e funcional, pelo maior tempo que conseguir.

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