A forma como construímos as máquinas hoje vai determinar, no futuro, o tipo de relacionamento que teremos com elas

O especialista em inovação e futurismo Gil Giardelli abriu o Innovation Forum+ 2019, evento realizado em março pela distribuidora Scansource. Eu estava lá com a equipe da essense para um dia inteiro de apoio à transmissão ao vivo das atividades. A fala dele foi uma das únicas que consegui assistir em meio à correria de quase dez horas de live. Com um conteúdo super otimista sobre as possibilidades da tecnologia no futuro, Gil encerrou a palestra deixando aquele gostinho de fé na humanidade. Na rabeira dessa sensação, trouxe ao palco Peper – um robôzinho fofo, do tamanho de uma criança de uns 5 anos, que arrancou risadas de uma plateia de gestores de TI só de caminhar – ou melhor, rolar – ao encontro do palestrante.

A expectativa para saber o que Peper falaria era grande. Mas… ele não disse quase nada. Por um problema de conectividade, Gil não conseguiu manter um diálogo fluido com o robô. Mas pediu, em inglês, que ele dançasse, mexendo os braços eletrônicos como se fosse uma pessoa curtindo um sábado à noite. E mesmo que Peper não estivesse funcionando em sua plena capacidade, ganhou palmas entusiasmadas da plateia.

A cena trouxe um questionamento que ficou martelando na minha mente até se tornar essa reportagem: por que nós, humanos, criamos afeição pelos robôs? Ou, ainda, por que robôs são feitos para que tenhamos afeição por eles?

Descobri que, para responder essa pergunta, precisamos voltar no tempo. Precisamente ao ano de 1921, quando o escritor tcheco Karel Capel criou a palavra robot, a partir de robota, que, em sua língua e em outros idiomas eslavos, quer dizer trabalho forçado. O termo apareceu em uma peça de ficção científica sobre autômatos de aparência humana criados por um cientista genial para trabalhar como escravos. Mas esses autômatos fogem ao controle da humanidade, desenvolvem sentimentos próprios e terminam por destruir a espécie que os criou – enredo que, daí em diante, inspirou uma infinidade de histórias de ficção científica.

Lady Sybylla, autora brasileira especialista no gênero, explica que a forma humanóide dos robôs – e também dos alienígenas – sempre foi um hábito da ficção científica, em especial para reduzir custos de maquiagem e efeitos, mas também para gerar empatia. “A identificação é quase que imediata. E muitas vezes os robôs podem ser usados para criar metáforas sobre como tratamos minorias humanas, algo que vimos no filme ‘O Homem Bicentenário’. Com formato de gente, é muito mais fácil sentir empatia.”

Mas por que, além de ter formas humanas, os robôs começaram a ficar, também, fofinhos? Gil explica: “quando os robôs surgiram na ficção científica, as histórias eram, em geral, de destruição e dominação dos seus criadores – no caso, nós. Quando a tecnologia evolui e eles passam a ser integrados ao nosso cotidiano, é natural a busca por essa imagem mais ‘bonitinha’ para criar sentimentos bons, e não a ideia de que seremos substituídos por eles”.

Gil diz que, sim, atividades repetitivas serão integralmente executadas por máquinas em um futuro próximo, mas, após um breve período de adaptação, o quadro será positivo. “O fato de robôs fazerem atividades mecânicas nos dará mais tempo para sermos humanos. Será o principal resultado de uma economia voltada para a inteligência artificial.”

A positividade do especialista em inovação é contagiante, mas Lady Sybylla tem outra visão. Para ela, a possibilidade de nos afeiçoarmos aos robôs pode trazer alguns questionamentos éticos. “Se estamos criando robôs semelhantes a nós e cada vez mais inteligentes, há a possibilidade de seres humanos se apaixonarem por eles. Eu vou além: se um robô for programado para ser sensível e demonstrar amor, como não se apaixonar?”. A ideia já foi, inclusive, explorada pela ficção científica no excelente longa metragem “Her” (se você não assistiu, assista. É sério).

A escritora também levanta a hipótese de que, com robôs cada vez mais inteligentes, é certo delegar a eles as tarefas que não queremos e torná-los nossos “escravos”? Há regras que devem reger a nossa relação com essas máquinas?

Giardelli acredita que não chegaremos a esse ponto porque robôs não serão, nunca, capazes de sentir empatia – habilidade exclusivamente humana. “Há um grupo de Harvard que debate a questão ética da inteligência artificial. Eles já adiantaram que não é adequado criar robôs com sentimentos. A capacidade de se emocionar com uma flor, de sentir alegria ao passar a mão em um cachorrinho ou de vibrar quando uma pessoa que amamos conquista algo é exclusivamente nossa.”

Para o especialista, os robôs vão nos ajudar a deixar para trás um mundo de trabalho alucinante, no qual não temos tempo para conviver com a família ou aproveitar o contato com a natureza, e nos levará à era do ócio criativo, na qual surgirão mais músicos, poetas, cientistas, escritores…

Dá vontade de acreditar nele.

* Camila Galvez é jornalista especializada em negócios e Saúde, com pós-graduação em jornalismo literário pela ABJL. Possui mais de 10 anos de experiência em comunicação e é curadora de conteúdo na essense, agência de comunicação B2B especializada em posicionar marcas e líderes como formadores de opinião por meio do compartilhamento de conhecimento.

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