Se o pernilongo me deixar, vou tentar te convencer que o caminho é construir sensos de pertencimento e participação com sua audiência – e a forma como isso deve ser feito
por Adriele Marchesini
Escrevo este texto tentando encontrar e exterminar um danado de um pernilongo que está tomando meu sangue de café da manhã. Cada tentativa de criar um raciocínio, de escolher palavras, de pesquisar sinônimos para achar a expressão exata que quero usar é estorvada por uma coceira que irrompe em um lugar improvável do corpo, por uma virada brusca de cabeça na tentativa de ser mais rápida que o meu inimigo, pela necessidade urgente de bater embaixo da mesa para ver se ele sai voando vulneravelmente e eu possa, enfim, dar cabo em sua existência.
Alguns bons minutos já foram perdidos nessa inglória campanha e tudo o que eu consegui foi perceber que estou, na verdade, procrastinando a escrita deste texto. E essa dissonante sensação – a de ter que fazer, mas não querer – é um dos mais profundos sintomas da crise que assola aqueles que produzem conteúdo e que desejam, minimamente, gerar um impacto relevante no interlocutor. Na era do excesso de oferta e da falta de foco, parafraseio Caetano Veloso: “quem lê tanta notícia?”.
Se conquistar a atenção de alguém é difícil em um texto que consumirá 5 minutos do seu dia, quem dirá para um evento presencial, que exigirá deslocamento, trânsito, gasto e perda de boa parte, se não a parte inteira, de um dia produtivo. Arrancar a pessoa do escritório – seja ele home ou work, mesmo – já é um grande feito; ser interessante a ponto de ela não ficar com a cara enfiada no celular durante a maior parte da programação, coisa de verdadeiro vencedor.
Um breve retrospecto
Isso você já sabe, mas permita-me repetir para construir a ideia: a pandemia levou tudo para o online, check? Check. Em 2021, 85% dos profissionais brasileiros de eventos organizaram pelo menos um evento virtual. A maior parte do orçamento foi destinada ao marketing digital (22%) e à realização de lives e webinars (21,5%). Execução de eventos presenciais ficou em quarto lugar na lista (11,5%). Os dados foram levantados pelo LinkedIn.
E daí que a marketaiada toda começou a levar experiências para esses encontros virtuais, na tentativa de engajar a audiência. Foi um tal de kit de cerveja e vinho enviados pelo correio, show virtual, aula de culinária hands on com chef famoso… além de ter amigos que fizeram, nós mesmos, da agência essense, construímos estratégias para eventos assim, sempre pensando em como, no meio desse festerê, levar conteúdo de qualidade:
Evento híbrido? Hoje não, Faro
Como o ser humano tende a traçar tendências para ter o mínimo de segurança para seu futuro, lá vem a marketaiada, de novo, definir que, agora que a Covid-19 está controlada e o parquinho reabriu, os eventos presenciais podem voltar, mas desde que o online não seja deixado de lado.
Entre as expectativas publicadas recentemente pela Forrester para eventos B2B, a primeira delas é que 63% dos líderes de marketing planejam realizar o mesmo número, ou mais, de eventos virtuais em 2022. O estudo também revela que 67% dizem que entregar networking relevante é um desafio para o online. A tendência, portanto, seria uma mescla do online e do presencial, para salvaguardar o aspecto positivo de ambos e “bla, bla, bla o futuro é dos eventos híbridos”.
Posso estar terrivelmente enganada, mas não compro essa história. Aguenta mais um pouquinho que eu já explico o porquê.
Faro, por favor, não me processe. Beijos
Estudo ladrão, roubou meu coração
Um dado que roubou meu coração veio de uma matéria em um site global de evento que fala sobre a preocupação dos organizadores com a saúde mental dos participantes. No “maravilhoso” mundo pré-pandemia, quando ser workaholic era glamuroso e o burnout ainda era considerado coisa de gente fraca e mimizenta, evento bom era evento que não dava dois minutos de intervalo entre um painel e outro, que tinha cinco salas simultâneas com conteúdos interessantíssimos, que fazia jornalistas que cobriam e atendentes que visitavam se desdobrarem para consumir desenfreadamente todo o conteúdo possível porque meu pai amado era a única oportunidade de ver aquela pessoa incrível dar uma palestra e aprender sobre aquele assunto que estava tão em voga e que era tão exclusivo e não havia tempo a perder nem para escovar os dentes e muito menos para dar uma pausa numa frase com uma mera vírgula. Ufa. Deu gatilho aí? Meu coração acelerou um tantinho.
Passados os três dias de evento, o corpo estava estourado, a mente em frangalhos e só a cafeína era capaz de fazer a gente aparentar funcionalidade no trabalho (estritamente presencial). Afe.
Onde a exclusividade não tem vez
Voltando à matéria que roubou meu coração, os organizadores de eventos procuram, hoje, dar mais espaço entre os painéis, para permitir tanto o deslocamento civilizado quanto o networking entre os participantes. Para que o conteúdo seja aprovado em sua integridade, sem comprometimento da experiência. E também porque, convenhamos, a exclusividade que gerava esse FOMO todo se esvaiu. Todo tipo de conteúdo está disponível na internet. Os próprios palestrantes que cobram 45 mil doláres por 30 minutos de talk têm extratos, ou até a versão full, de suas falas em seu canal do youtube. Em seu podcast. Em seu blog. Em qualquer lugar. Porque conteúdo virou mídia, virou ferramenta de divulgação. A exclusividade não é mais a principal moeda de troca. E sabe qual é?
A dupla pertencimento e participação.
Esse insight veio de uma reunião do time da essense no começo de 2023. Não sei se você sabe, mas nossa equipe é foda. Comunicadores da melhor espécie – jornalistas, social media, “marketers” – especializados em negócios, tecnologia, ciência, saúde, novas mídias. Nos reunimos para discutir o que diacho faríamos com nossa oferta de eventos para este desafiador ano, depois de toda a informação e experiência coletada ao longo das mais variadas entregas – de eventos gigantes a petit comitês – que entregamos em 2022.
A conclusão é que a pessoa só vai se deslocar para um evento presencial se, além de o conteúdo ser bom (óbvio), ela construir relacionamento e experiência emocional com o que for apresentado, tanto de forma passiva, como expectador, quanto ativa, ao fazer networking ou, inclusive, se envolver com a temática durante ou pós evento.
Muitas perguntas, uma resposta
Se a ideia não é sobrecarregar a agenda, dar espaço e tempo para as pessoas se relacionarem organicamente e promover conexões estruturadas, por que diabos eu vou colocar uma tarefa no smartphone da pessoa durante a experiência física? Para sobrecarregá-la? Para tirá-la da vivência que durará apenas um ou dois dias? Para que problemas de conectividade, que podem acontecer em qualquer lugar, comprometam a experiência? Para que eu vou meramente divulgar meu conteúdo online? Para jogar mais informação no mar vermelho de conteúdo da internet? Qual o propósito disso tudo?
E então eu retomo uma janelinha que deixei aberta lá atrás: não vejo espaço para o híbrido para atender ao objetivo de experiência e participação. Isso não significa que não pode haver um app que facilite a conexão entre pessoas – como o websummit faz, por exemplo. Mas o uso do digital deve ser cirúrgico, atendendo a um propósito específico.
Chegando ao fim do texto, você talvez se interesse por saber que o pernilongo desapareceu. O espaço vazio que o incômodo dele me causava foi preenchido pelo temor de ter escrito um texto gigantesco. Mas espero que, de alguma forma, tenha conseguido captar sua atenção pelo senso de pertencimento e participação que tentei transmitir. E pelo gif da Julia Louis-Dreyfus, lógico.
Um agradecimento especial a cada um dos que estava na reunião que gerou os insights de nossa oferta: Camila Sampaio, Leonardo Vinhas, Maíra Mediano, Maitê Casacchi, Marcelo Gavini, Tatiana Paiva, Wagner Hilário – e, claro, as metade-musas, metade-sócias, Cylene Souza e Silvia Palladino. Vocês são tudo.
*Adriele Marchesini é jornalista especializada em TI, negócios e Saúde com quase 20 anos de experiência. Depois de passar por redações de veículos como Estadão, Infomoney, ITWeb e CRN Brazil, cofundou as agências essense e Lightkeeper, as quais já ajudaram mais de 80 empresas na construção de conteúdo narrativo multiplataforma para negócios. É coâncora do podcast Vale do Suplício.