Ou como a história de uma moradora do interior de Minas Gerais contada no HIS 2019 me fez perceber que o setor virou a chave da inovação

Era uma vez… eu sei, essa é uma introdução clichê, mas não desista deste artigo ainda porque a história que eu vou contar não é. Era uma vez uma senhora de 84 anos, moradora de Conceição do Mato Dentro, município mineiro com pouco mais de 18 mil habitantes. E essa senhora tinha um problema: estava com uma lesão na pele que o médico de família da cidadezinha interiorana não tinha conhecimento para identificar. Tampouco havia ali um oncodermatologista a quem a nossa protagonista pudesse recorrer. E agora? Poderia ser algo sem solução, mas estamos em 2019 e a telemedicina, embora ainda tão polêmica, já é colocada em prática em todo o Brasil. Foi por meio da tela do computador, sem sair do consultório do generalista, que essa senhora de 84 anos teve a lesão avaliada por um especialista de Belo Horizonte. Ela ficou surpresa e, ao mesmo tempo, aliviada – afinal, não precisaria se deslocar quase 170 quilômetros para descobrir o que tinha. 

Quem contou essa história da vida real foi José Augusto Ferreira, diretor de provimento de Saúde da Unimed BH, no Summit de Telemedicina do Healthcare Innovation Show, o HIS 2019, realizado nos dias 18 e 19 de setembro, no Expo São Paulo. Era o segundo dia do evento, no qual tive a oportunidade de ser mestre de cerimônias de dois palcos: este e, também, o do Fórum de Inteligência Artificial, no dia 18. E a impressão que tive durante os últimos três anos nos quais acompanho o HIS é que eu cresci como jornalista de Saúde ao mesmo tempo em que o evento e o setor. 

Foto: divulgação Informa Markets / @ycbrasil

Explico: no primeiro ano eu fui apenas para acompanhar as palestras – e era tudo novidade. Muita gente boa já falava sobre IA, big data, blockchain, aplicativos, mobilidade. Mas você se lembra do mito da caverna de Platão? Tudo parecia fazer parte do plano das ideias na Saúde. A tecnologia até existia, mas as aplicações práticas pareciam distanciadas da rotina do setor.

No segundo ano em que participei do HIS, tive a oportunidade de moderar a mesa “Modelos de remuneração baseados em valor na medicina diagnóstica”, cheia de feras, entre elas Francisco Figueiredo, então secretário de atenção à Saúde do Ministério da Saúde, hoje secretário de atenção especializada (que eu entrevistei aqui: Salvar o SUS e combater o desperdício são compromissos de negócio de todo o setor). As ideias continuavam por lá, mas pareciam, aos poucos, querer sair da caverna e espiar o sol.

Na edição deste 2019, o que vi foi bem diferente – e está de acordo com o que o Thiago Júlio, gerente de inovação aberta do grupo DASA e curador do Cubo Health, me falou na entrevista “Só de usar a palavra paciente significa que falhamos”: nos últimos dois anos, muita coisa mudou na Saúde. A Adriele Marchesini, cofundadora da essense, vai escrever mais sobre essa percepção em um artigo na próxima semana, abordando o ponto de vista dos gestores. Mas posso falar, aqui, do aspecto tecnológico: já tem muita organização de ponta aplicando inteligência artificial, telemedicina e outras inovações na Saúde. Os exemplos que ouvi no HIS foram muitos. Compartilho dois deles: o programa de teletriagem desenvolvido por meio de Parceria Público-Privada (PPP) entre o Hospital Israelita Albert Einstein e a prefeitura de São Paulo, que diminuiu o tempo de espera para atendimento em dermatologia – em especial nos casos de câncer. E a parceria entre a Microsoft e o Hospital 9 de Julho para utilização de inteligência artificial na redução do índice de quedas de pacientes – uma das metas estipuladas pela Organização Mundial de Saúde (OMS) desde 2004.  

O maior desafio ainda é fazer com que os gestores de Saúde entendam que a tecnologia não é uma solução mágica que vai resolver todos os dilemas do setor. Não existe essa de plugar o computador na tomada e – plim! – a inteligência artificial traz todas as respostas. Ou, ainda, conectar os médicos à internet e – abracadabra! – o diagnóstico do paciente está garantido. Para que a tecnologia transforme a Saúde, é preciso mudar a cultura. Ah, Camila, de novo esse papo? Eu sei, você já ouviu/leu/viu muita gente falar disso. Mas não tem como fugir: assim como nos habituamos a chamar um carro pelo aplicativo ou pagar os boletos pelo internet banking, o mesmo terá de acontecer na Saúde. 

A mudança será impulsionada justamente por senhoras de 84 anos e pessoas de todas as idades surpreendidas pelo potencial da tecnologia para cuidar de vidas. É por causa dessas pessoas – e para elas – que a Saúde terá de se transformar. Como disse Francisco Neri, CMIO do Grupo Santa Joana, “passamos muito tempo tentando entender a doença e pouco entendendo a pessoa. E 40% da saúde depende da própria pessoa.” 

Se a dinâmica do setor, de fato, começou a mudar, só o tempo dirá. Mesmo que a maioria dos projetos ainda seja piloto, como aponta um recente estudo da Mckinsey sobre IA no Brasil, o futuro sobre o qual eu escrevia lá naquele primeiro ano de cobertura do HIS parece ter finalmente começado. E eu aposto que a senhora de Conceição do Mato Dentro concorda comigo. 

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