Para Francisco Figueiredo, secretário de Atenção à Saúde do governo federal, não se trata de interesse público ou privado, mas de reduzir os custos assistenciais em todo o sistema
Com pouco mais de 30 anos, completados em 2018, o Sistema Único de Saúde (SUS) ainda enfrenta inúmeros desafios para cumprir sua principal premissa: levar assistência a todos os brasileiros. Apesar de ser um dos maiores sistemas públicos de Saúde do mundo, ainda engatinha em questões como garantia de acesso, longas filas de espera, falta de médicos, superlotação e subfinanciamento – apenas para citar alguns exemplos.
Para agravar o quadro, no auge da crise econômica, entre 2015 e 2017, 3,1 milhões de brasileiros perderam seus planos e migraram para o setor público, segundo a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS). Assim, o aumento da demanda, somada ao envelhecimento populacional e ao consequente avanço das doenças crônicas, resulta num sistema a beira do colapso.
Há 12 anos, eu acompanho essa discussão como jornalista e, mais recentemente, como usuária da rede pública também. Não são problemas simples de serem resolvidos – e muitos brasileiros perdem a vida no Brasil à espera da assistência que nunca chega. Portanto, ao ouvir o questionamento “O SUS é tudo para todos ou é tudo o que nós temos para todos?” do secretário de atenção à Saúde do Ministério da Saúde, Francisco Figueiredo, fui instigada a provocá-lo: o que falta para que o SUS seja, de fato, para todos? Porque hoje sabemos que ele não é.
Conversei com o gestor público após sua participação em um debate no palco do MV Experience Fórum, realizado nos dias 8 e 9 de agosto em Recife. Eu estava lá pela agência essense, parceira da MV na curadoria de conteúdo setorial, e compartilho agora o resultado desse bate-papo:
– O SUS enfrenta uma situação complexa desde seu nascimento, mas que vem se agravando nos últimos anos. Sabemos que a população está envelhecendo, as doenças crônicas estão aumentando e há uma crise econômica que levou muitos brasileiros a buscarem o serviço de Saúde pública após a perda do emprego. Como equilibrar o aumento de demanda e o custo assistencial, que não para de subir, à realidade de um sistema com recursos limitados?
Como você falou, são muitos os desafios do SUS, mas alguns pilares têm como objetivo minimizar esses problemas e construir um sistema que funcione: organização da rede, regulação de vagas e serviços e foco em um sistema de referência e contrarreferência (utilizado no SUS para estimulas a troca de informações eficaz entre os diferentes níveis de assistência e permite a criação de um ambiente favorável à abordagem do paciente como um todo). O Ministério da Saúde está construindo um novo desenho de rede que suporte as complexidades atuais, mas temos que lembrar que o Brasil é um país de dimensões continentais, no qual aproximadamente 150 milhões de habitantes dependem exclusivamente desse sistema único de Saúde, então os desafios são muitos. E não podemos esquecer que o SUS não é responsabilidade só da União. Ele é formado também por municípios e Estado, conforme prega a nossa constituição, com responsabilidades divididas entre todos esses agentes.
– E a estratégia de atenção primária, que já nasceu com o SUS, assume qual papel diante desse cenário?
Ela é uma das respostas que temos para os desafios do SUS e, portanto, trabalhamos para fortalecê-la. Fazemos isso porque é de conhecimento na literatura médica que 80% de todas as necessidades de saúde de um indivíduo podem ser resolvidas na atenção primária. Portanto, temos projetos voltados para ampliar o acesso da população às unidades de Saúde, especialmente por meio do Programa Saúde da Família. E, além do acesso, nossa meta é melhorar os serviços e ampliar a qualidade de vida da população assistida. Começamos com esse pilar e, paralelamente, atuamos em outras frentes, em especial com o investimento em informatização, porque a tecnologia ajudar na redução de desperdícios e no controle dos custos.
– E por falar em controle de custos, Francisco, como vocês tratam a judicialização? Nós vemos que muitas pessoas que não conseguem assistência ou medicamentos buscam a via judicial, e isso acaba prejudicando a equidade, que é um dos princípios do SUS. O Ministério tem algum plano de como lidar com a judicialização?
Nós estamos trabalhando muito forte nesse aspecto. Temos dois projetos para otimizar a análise desses pareceres jurídicos, um desenvolvido em parceria com o Hospital Israelita Albert Einstein e outro com o Hospital Sírio-Libanês. Em ambos recebemos auxílio para avaliar as demandas judiciais, e também fornecemos subsídios para que os juízes brasileiros tenham uma base sólida de informações para avaliar esses casos. A judicialização existe no Brasil porque há liberdade democrática de qualquer cidadão em ter o acesso ao poder judiciário, mas é um desafio adequar o orçamento às necessidades de todos que precisam do SUS. O ponto chave é que a judicialização não cria mais recursos, mas sim consome o recurso de alguma política já existente. Portanto, temos de lidar com esse desafio orçamentário de garantir para a população o que é direito de todos e dever do Estado, como prevê a constituição.
– No debate do qual você participou aqui no MV Experience Fórum, vocês falaram que é preciso haver união para transformar o futuro da Saúde brasileira. Afinal, o que vemos atualmente não é um sistema coeso de Saúde, mas sim diversas unidades fragmentadas, divididas entre o SUS e a Saúde Suplementar. Como você vê a formação de um ecossistema que, de fato, inclua os setores público e privado, juntos, construindo um sistema melhor para toda a população?
O que estamos buscando neste momento, em ambos os setores, é uma forma de reduzir o desperdício. E o que precisamos, em um primeiro momento, é ter uma informação que flutue, ou seja, independentemente se o indivíduo é atendido no SUS ou em um hospital privado, que a informação seja acessível para todos. Tomemos como exemplo uma pessoa que é atendida em unidade privada. Ela é diabética, acabou de fazer exames de rotina para o controle da doença e também fez recentemente um raio X. Então, ela sofre um acidente, é socorrida e levada para uma emergência do sistema público. Se tivermos acesso a todas as informações sobre ela em um prontuário único, podemos evitar novos exames, otimizar as possibilidades terapêuticas e ter uma resposta mais rápida que pode representar a diferença entre a vida e a morte. O mesmo acontece dentro do SUS: se o cidadão sair de uma UPA e a unidade de atenção primária tiver acesso aos exames que foram feitos por lá, otimizam-se custos. E há estudos que apontam que, ao deixar de garantir essa integração de informações, o desperdício é bilionário. Então, o prontuário único é fundamental para controlar o custo assistencial. E não se trata de economia só para o SUS, mas também para a Saúde Suplementar. Portanto, precisamos nos unir porque não se trata de interesse público ou privado, mas de proporcionar um sistema de Saúde que seja bom para todos os brasileiros.
– Uma das propostas do Ministério da Saúde, apresentada por vocês no evento, é a criação de sistemas que vão reunir os dados da população de cada Estado brasileiro, independentemente da unidade na qual o cidadão é atendido. O projeto piloto será realizado em Alagoas. Na sua visão, esse plano pode ser visto como o início do compartilhamento dessas informações também com a Saúde Suplementar, em um futuro próximo?
O desenho feito pelo Jacson (Barros, diretor do Departamento de Informática do SUS), que é uma pessoa com bastante experiência de mercado que acaba de chegar à nossa equipe, prevê exatamente isso: que a gente comece a ter as informações sobre os cidadãos atendidos no SUS disponíveis e atualizadas. Porque hoje elas estão todas soltas, muitas sequer são digitalizadas, e não temos como aplicar inteligência de negócios nem otimizar a assistência dessa forma. Fizemos uma análise do que funcionaria melhor na nossa realidade, levando em consideração hardware e software, e esse foi o melhor modelo que encontramos. Estamos apostando nele e, inclusive, na capacidade de rápida implementação. Nossa meta é que, até o primeiro trimestre de 2020, já tenhamos resultados em Alagoas para, então, ampliar para o restante do País.
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