por Wagner Hilário

Nossa vontade de apontar dedos e denunciar culpados, em épocas de sangue e lágrimas jorradas de guerras que atingem em cheio nossa pretensa e preconceituosa civilidade, é tão intempestiva, possuída de ira e despida de empatia quanto as vozes que ordenam os primeiros e os últimos disparos.

Nosso desejo de julgar o mal no outro é um berro quase libertário. “Quase”… porque o grito não sai por inteiro da boca, deixa um refluxo de fel e guarda, na memória, uma voz impiedosa e sensata que nos sopra, do mais profundo inconsciente, a importância de pensar sobre como apedrejar os outros é uma maneira infantil de expiar a vileza que negamos em nós mesmos.

Como reza a canção “Todos estão surdos” de Roberto Carlos, “Não importam os motivos da guerra, a paz ainda é mais importante que eles”. Contudo, quando não se compreende a própria maldade, também não se compreende a própria bondade e nos perdemos numa pseudoverdade que justifica toda selvageria e aniquilação. 

Tenho a impressão de que é mais fácil ser sábio quando não se está sob a ameaça de mísseis de alta destruição, mas, ainda assim, deve haver muita sabedoria no front.

Certa vez ouvi o jornalista Lourival Sant’Anna, correspondente de guerra e, hoje, analista na CNN, dizer que, em conflitos, encontramos o pior e o melhor do ser humano: a maldade mais primitiva e a generosidade mais celestial. Recentemente, vi ucranianos alimentarem um soldado russo que havia se entregado. Deram-lhe também um celular. Aos prantos, ele ligou para a mãe para dizer que estava “tudo bem”. 

Eu tenho refletido sobre todas as razões geopolíticas que ensejaram a guerra russo-ucraniana, o que é contraditório, afinal, se “não importam os motivos da guerra”, por que, na prática, eles recebem mais consideração do que a própria paz? Deve ser porque acreditamos que eles possam nos ajudar, de alguma forma, a encontrar um caminho para ela. Pensando assim, concluo que temos procurado pelos motivos errados e me pergunto: homens capazes de compreender que o verdadeiro conflito deve ser travado e apaziguado dentro de si mesmos fazem guerra com o próximo?

A essa pergunta, alguém pode dizer: “Não me venha com esse papo furado”. Até pode ser “furado”, afinal, os tiros de uma guerra acertam muito mais do que alvos físicos. Mas essa visão desencorajadora não me convence. Se me convencesse, eu estaria fadado não apenas a testemunhar a tristeza fúnebre das mães órfãs de seus filhos e o ápice da miséria humana em uma guerra, também estaria fadado a não aprender nada com tudo isso, a não aprender nada sobre mim nem sobre nós.

Por isso, não me venham com “O ser humano não vale nada”. Esse distópico argumento é uma das retóricas mais covardes concebidas pelo senso comum para anestesiar as pessoas para a vida. Contra essa frase de destruição em massa, ando com as palavras da psicoterapeuta e escritora alemã Marie-Louise von Franz sempre engatilhadas e pronto para dispará-las: “É fácil ser um idealista ingênuo. É fácil ser um realista cético. Outra coisa é não ter ilusões e ainda manter a sua chama interior.”

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