Quando se trata de livros sobre esportes e negócios, ir além da mesmice é muito mais do que inovar técnica e conceitualmente, é ter coragem de repartir a vida com o leitor, de desnudar, em histórias, a parte da alma humana que conseguimos iluminar

por Wagner Hilário

Apesar dos novos meios de compartilhar conteúdos, algumas velhas ferramentas parecem ungidas com a água sagrada do conhecimento atemporal. E o primeiro exemplo que me vem à cabeça quando penso nessas “ferramentas”, sem dúvida, é o livro. Sim, é verdade que o brasileiro, em geral, nunca foi muito dado à leitura, mas mesmo os que não leem respeitam um “tijolão” — mesmo um “tijolinho”. “Fulano de tal escreveu um livro” não é uma frase sem peso, pelo contrário.

Porém, diferentemente das redes sociais, os recursos midiáticos associados a um livro são escassos, embora isso não signifique que ele seja uma ferramenta menor dentro de uma estratégia de marketing de conteúdo, por exemplo. Justamente por sua autoridade milenar, é comum que o livro se torne “o conteúdo dos conteúdos”.

Antes que alguém me conteste sobre os parcos recursos midiáticos do livro, contrapondo aos meus argumentos a existência dos e-books, devo dizer que, por ora, os “kindles da vida’ ainda me parecem servir, essencialmente, para garantir que os amantes de livros físicos possam levar, às viagens que fazem, o máximo de títulos ocupando o mínimo de espaço nos bagageiros. Isso para dizer, no fim das contas, que o livro continua a ser, na maioria das vezes, um meio de comunicação baseado em texto e a maneira mais eficiente de “inovar” ainda passa pela escolha da abordagem textual.

Nesse ponto, vejo pouca “inovação” — talvez “diferenciação” seja a palavra mais apropriada — no mercado editorial, sobretudo num segmento que acompanho mais de perto: o dos títulos que traçam uma relação entre esporte e negócios. Geralmente, os livros sobre negócios e esporte trazem um receituário “de sucesso”, uma lista de ações e comportamentos infalíveis ou uma análise definitiva dos pontos-chave da personalidade de um esportista de ponta ou de um empreendedor da mesma estirpe.

Sem dúvida, a fórmula vende e, se vende, é porque tem seu valor. Mas, como fórmula, perde a genuinidade… Não quero dizer que não se possa nem valha a pena produzir livros assim; evidente que vale. Mas me parece um desperdício, quando falamos em esportes e negócios, seguirmos uma fórmula quando se tem nas mãos uma riqueza de vida com capacidade para aumentar ainda mais o potencial comercial da obra e, de quebra, ir além dos receituários “de sucesso”. Nesses casos, estou convencido, há muito tempo, que contar histórias ainda é a melhor forma (não fórmula) de fazer jus à riqueza, sumamente humana, desses temas.

Jornadas Heroicas

Há cinco anos, fui convidado a participar de um projeto de livro que tinha como principal objetivo trazer vida e emoção a uma teoria. O executivo e empreendedor Rodrigo Motta e o médico e empresário Wagner Castropil, ambos judocas — Castropil, inclusive, com uma participação olímpica em 1992 — tinham escrito uma obra chamada “Esportismo: valores do esporte para o alto desempenho pessoal e profissional”, que visava mostrar (e provar) que, por meio do esporte, é possível desenvolver competências que nos tornam mais aptos a viver e superar desafios da vida pessoal e profissional.

A obra foi concebida em “moldes clássicos”, bem alinhada à proposta corrente de livros de esportes e negócios, mas trazendo alguns elementos que a enriqueceram do ponto de vista científico e a tiraram do lugar comum, como o resultado de uma pesquisa com mais de 100 profissionais, que revelavam a importância do esporte em suas vidas (carreiras). Porém, Motta e Castropil sentiram falta de vida nas páginas. Nas palavras de Castropil, “o livro havia ficado técnico demais e, quando se fala de esportes, é preciso trazer histórias: emoção”.

Há muitas biografias de empresários e esportistas, mas não é comum uma obra que postula uma teoria, combinando esporte e negócios, ser toda concebida em narrativa biográfica. Contudo, para atender ao pedido de Castropil, não haveria outra maneira. Parti da seguinte premissa: toda a teoria é fruto de histórias de vida. Eu conhecia a história que Castropil e Motta tinham compartilhado — Motta como paciente e Castropil como médico — e não me restava dúvida de que ela, por si, ilustrava e justificava a teoria que tinham concebido. Porém, fomos além e, na obra, contamos mais seis histórias de personalidades ilustres do mundo dos negócios e do esporte.

Assim, por meio de histórias que foram sendo escritas, nas páginas práticas da vida, muito mais intuitivamente do que como resultado da obediência racional a um receituário pré-concebido, a teoria emergia como produto natural de jornadas particulares, mas com muitos pontos em comum com a minha, com a sua… com a história de todos nós. A ideia, então, deixou de ser “técnica” e se descobriu, de fato, vida, como se almejava, e essa vida veio à luz sob o nome de “Jornadas heroicas: o esportismo como instrumento de aprendizagem na prática”.

Mais que inovador, inevitável

“Jornadas heroicas” não foi a minha primeira experiência literária nesse campo e devo confessar que, mesmo antes de escrever o primeiro livro nessa linha, eu já pensava como penso hoje. Isso porque contar histórias não é um recurso novo, embora, com certeza, seja atemporal. Não é inovador, mas há zilhões de maneiras de contar uma história e, nisso, é possível diferenciar-se. Por uma boa história, pessoas leem livros ou assistem a filmes cujo tema, em si, nada têm a ver com elas: o protagonista pode ser um contador, um traficante, um esportista, um cientista da NASA, um investidor… 

Esse interesse só é possível porque antes de cada uma dessas alcunhas (traficante, contador etc.) está suprimida uma palavrinha para a qual ninguém ainda encontrou definição satisfatória e, possivelmente, jamais encontrará. Palavrinha que todos nós compartilhamos e, de alguma forma, entendemos sem saber explicar. Palavrinha contraditória, um mistério que jamais nos cansamos de tentar desvendar… Esse interesse só é possível porque antes de cada uma dessas alcunhas (traficante, contador etc.) pressupõe-se uma vida e é sobre a vida que queremos ler, ver, ouvir e contar.

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