Sobre quando eu, Claudia Cotes, Bruno Honda, Leandro Laporta e Renan Rocha discutimos no ClubHouse sobre nossa relação de amor afeto e ódio com essa mídia social

Adriele Marchesini


Antes de começar o texto (se bem que isso já é um começo), eu preciso te contar que tenho uma relação de amor e ódio com o LinkedIn.

Tá, usei palavras muito fortes. 

Eu tenho uma relação de apreço e ódio pelo LinkedIn. 

Meu apreço é porque o LinkedIn é uma baita ferramenta. É a área do cafezinho das feiras e congressos, na qual você se conecta, consome conteúdos e pode ficar xeretando as pessoas que você admira (e também não admira) sem a inconveniência de persegui-la pelos corredores de um evento, na teatral tentativa de simular um encontro ocasional para uma troca de cartões. E para pessoas desprovidas de memória, como eu, é um trabalho a menos colocar todos os miolos para trabalhar na inglória meta de lembrar a fisionomia de alguém. (“O João é o careca da gravata cinza, é o careca da gravata cinza”, bum. João desce do palco com sua gravata cinza e vai conversar com um grupo de mais três carecas de gravatas em 50 tons de cinza.) 

Minha relação de ódio vem pela plasticidade. Mas isso não é responsabilidade da ferramenta – é, sim, um reflexo do perfil de quem a utiliza. 

Fala sério, você também não acha um pé no saco esses textos sobre resiliência, liderança e as crônicas dos aprendizados do dia a dia que têm a consistência de uma gelatina?

Não vai me dizer que você não sente o cheiro de falsidade em 90% dos conteúdos que vê por aí?

E, também, não venha me dizer que você nunca, jamais, testou as melhores práticas aventadas pelos especialistas de personal branding na tentativa de gerar likes? Ou, então, que travou na redação de algum conteúdo porque simplesmente ficou com medo de escolher as palavras erradas e ser mal interpretado?

Se você disse sim a alguma dessas perguntas, meu amigo, estamos de mãos dadas no caminho do ódio pelo LinkedIn.

E foi numa consulta com a incrível Claudia Cotes – doutora em linguística e fonoaudióloga  – que descobrimos partilhar desse ranço. A Claudia é especialista em treinar comunicação para jornalistas e executivos, sempre em busca de ajudar a pessoa a resgatar sua autenticidade. Imagina a quantidade de prospects que ela não enxerga quando dá uma micro-passeada pela rede. É muita gente tentando vender o que não é. Então, eu e a Clau decidimos abrir uma sala no ClubHouse para debater o tema “A indústria da empatia e da vulnerabiliade”. E foi aí que chamamos o Bruno Honda – criador, publicitário, empresário – porque… bem, porque ele é maravilhoso. 

Nesse papo, mais duas pessoas – o Renan Rocha, comunicador, product manager e entusiasta nas artes Cênicas e de Clown;  e o Leandro Laporta, diretor de soluções customizadas Americas da Orange Business Services – pediram a palavra e também compartilharam suas visões.

Se você quiser ouvir a conversa, ela está disponível aqui:

Mas, de todo modo, separei alguns highlights:

Essa pessoa está falando para quem?

A pergunta é da Clau, que logo emendou. “Vejo cada vez mais uma indústria. A indústria do ‘vamos ser legais, vamos ser empáticos’. A gente sabe que nossas palavras viram cliques, que viram dinheiro. Claro que existem pessoas que falam de forma genuína, mas tem uma maré daqueles que falam demais mas não têm nada a dizer.” 

Guarde isso: “falam demais, mas não têm nada a dizer”. 

Esse comportamento, segundo a Claudia explicou, tem até um termo técnico na fonoaudiologia: taquilalia. 

A gente aprende que tem que ter e dar nossa opinião, só não nos ensinaram pra quê.

“Vejo cada vez mais uma indústria. A indústria do ‘vamos ser legais, vamos ser empáticos'”
Claudia Cotes – fonoaudióloga e doutora em linguística

Falta de espontaneidade 1

E nesse ponto o Bruno costurou um assunto importante: a ferramenta serve  para darmos voz ao que pensamos. E isso, naturalmente, pressupõe espontaneidade. Mas será que a espontaneidade traz engajamento? “É inevitável perceber uma camada de contaminação pela busca da reação. A gente apresenta uma versão editada da vida. E isso é um terreno muito fértil para deixar todo o mundo maluco.” E como o Bruno é ótimo com frases de impacto, ele deu um recado: “Somos o Boninho da nossa vida”.

E não somos?

Aqui eu concordei com o Bruno e lembrei da autocensura e do excesso de cuidado, que vira um engessamento da nossa expressividade. Você pode até ter likes – mas eles serão vazios. E, no fim das contas, a rede social não serve a meras reações para inflar o ego – ela serve a conexões genuínas no mundo dos negócios. Ou estou sendo Poliana demais?

“É inevitável perceber uma camada de contaminação pela busca da reação. A gente apresenta uma versão editada da vida”, Bruno Honda –  criador, publicitário e  empresário

Falta de espontaneidade 2

Agora eu vou ter que te pedir desculpas, porque eu sou fã da Claudia e não vou mentir. Nessa altura da conversa, ela falou um troço que eu só não tatuo no corpo por falta de espaço: 

“Para a gente ser forte, a gente tem que ser verdadeiro. Nossa comunicação começa no cérebro: eu penso e começo a sentir o que estou pensando. É uma reação bioquímica. Quando assumo minhas verdades, mesmo diante da minha fraqueza e da minha dor, as palavras se encaixam nos sons, que se encaixam nos gestos. Se eu imagino: ‘o que ele vai pensar de mim?’, eu estou na emoção do medo. Quando eu tenho esse pano de fundo, entro com uma fala mecânica.”

A Clau chama isso de máquina de falar. E alerta: “a comunicação é uma escolha”. 

De bundinha de fora

Contar o quanto você é incrível por ter tido uma lição de vida em um momento de vulnerabilidade não é demonstrar vulnerabilidade, ok? E o Renan Rocha, que fez um curso de Clown – a técnica do palhaço – no Peru e estudou ostensivamente o tema, tem uma visão bem interessante sobre o que é, de fato, expor-se. 

“A base do Clown é a vulnerabilidade. Eles ensinam a entrar em cena sem ter nada a perder. Por mais que tenha um número na mão, a energia do ambiente ou do seu ser é maior que qualquer script e qualquer formato. Por isso que as pessoas têm medo do palhaço. As pessoas falam de vulnerabilidade no mundo corporativo, mas elas não querem mostrar o que estão sentindo porque têm muito a perder.”

Bingo. Não é sobre servir ao outro com o que você sabe. É sobre medo de perder e desejo de ganhar. 

“As pessoas falam de vulnerabilidade no mundo corporativo, mas elas não querem mostrar o que estão sentindo porque têm muito a perder”, Renan Rocha –  comunicador, product manager e entusiasta nas artes Cênicas e de Clown

Com a palavra, o ghostwriter

Outro dia um guru de negócios que eu admirava (nota: o verbo não aparece no passado à toa) fez uma pergunta no LinkedIn. Eu tinha algo a dizer sobre aquilo e gastei todo meu inglês na resposta. Sabe qual foi a reação dele?

Nenhuma. 

Zero. Não houve sequer uma curtidinha safada.

E não é que centenas de pessoas responderam. Fui eu mais uns 20, no máximo. Era uma pergunta com substância, que precisava de uma resposta igualmente substancial. 

Ele perguntou, mas não estava interessado em saber. Ele perguntou para se projetar, não para ouvir o outro. 

Na verdade, imagino que nem tenha sido ele a perguntar. Provavelmente foi seu social media. O guru sequer deve abrir o LinkedIn. 

Não que eu veja um problema em ter apoio na gestão de sua mídia social. A essense, agência que cofundei junto da Silvia Paladino e da Cylene Souza, faz isso há mais de sete anos. Mas  em todos esses anos a gente nunca abriu mão de duas coisas: não plastificar discurso – a gente posiciona o que o executivo é; e não responder em nome dele – a mídia social é dele e estamos aqui para ajudá-lo a fortalecer seu posicionamento, não para esvaziá-lo. Porque o recheio do posicionamento de qualquer um, amigo, é a própria pessoa. 

O papel do ghostwriter é comunicar o que tem na mente do líder. Nos últimos anos, as escolas de negócios aventaram sobre a importância de o líder posicionar suas vulnerabilidades para construir empatia com seu ecossistema. As agências de comunicação começaram a usar essa identificação como metodologia. E isso gerou conteúdos vazios e inconsistentes em relação ao que o executivo pensa. Você entra no LinkedIn e mergulha num mar de conteúdo plastificado, que não traduz o que ninguém pensa – só vomita regras sobre o que deve-se pensar.  E o que  tem de tão legal e valoroso na mídia social, que é o fim das barreiras, se esvai. 

Vai um cheetos aí?

Lembra que eu falei que o Bruno foi convidado para a sala do ClubHouse por ser maravilhoso? Pois pega essa que ele falou: “O LinkedIn está ficando artificial. Tudo tem gosto de Cheetos”. 

“Há os mesmos comportamentos em todos os lugares. Desde o CEO, que fala do mesmo jeito que alguém que comenta o texto dele. A artificialidade é o caminho mais fácil para matar relevância de qualquer rede social.”

Bruno lembrou que nos últimos 50 anos paramos de contemplar e tudo é tratado como tempo útil.  Nos anos 70, os comerciais duravam dois, três minutos. Esse tempo foi diminuindo, fazendo com que nosso spam de atenção chegasse à duração da rolagem de uma tela de poucas polegadas, ou 0,7 segundo. E fica cada vez mais difícil criar uma comunicação verdadeira, na qual haja uma troca. “Há uma empatia superficial. Existem blocos de cabeça de texto que são exatamente iguais”, disse, abismado. Compartilho da sua perplexidade, Bruno.

Sommelier de LinkedIn

Conheço o Leandro Laporta há uns bons anos, e o que sempre admirei nele foi sua autenticidade. E a autenticidade do Leandro vem acompanhada de uma observação paciente. Ele só se coloca quando tem realmente algo a dizer. E foi o que ele fez nessa sala do ClubHouse.

Por ser um executivo de carreira do mercado corporativo, ele está bem acostumado a ter o apoio de profissionais de comunicação na produção de artigos. E como um belo sommelier de ghostwriter, resumiu bem o que separa um serviço bom de um ruim. “O ghostwriter tem que ter sensibilidade. Como ele vai escrever é diferente, mesmo que escreva para três, quatro executivos.” Assim que deveria ser, Lê. 

E já que falamos de vinho, quando contei a história do vácuo que tomei do guru de negócios, ele foi certeiro.  “É como se você chegasse junto da pessoa, ela te deu oi, você ofereceu um vinho e ela virou as costas sem responder.”

Pois foi bem assim que me senti. 

“O ghostwriter tem que ter sensibilidade”, Leandro Laporta


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Este foi o resuminho. Sugiro que você ouça. Mas se não quiser, tudo bem, porque eu não vim aqui pra caçar clique. Nesse papo, confesso que a gente falou demais. Mas, olha, sem a menor falsa modéstia, a gente tem mesmo muita coisa a dizer. 


Saiba mais:

(Des)Aprendendo com o Exemplo: “Quando tudo falha – o físico, o psicológico, o mental – você levanta e diz: eu não posso morrer aqui”

(Des)Aprendendo com o Exemplo: “não existe planilha que não seja enganável”

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