O que faz a roda funcionar para mim, todos os dias, é algo que se tornou um ritual matinal. Acordar. Alongar. Colocar uma música para tocar. Beber o cheiro do café quentinho. Pausar.

Tissiane Vicentin

Há um tempo eu vinha relutando em admitir meus encontros com esse amigo controverso – e aqui peço total licença para usar a palavra “amigo”, por falta de uma melhor. Sabe aquela situação em que você sente um misto de vergonha e incredulidade, daquelas coisas que demoram a cair a ficha? Não, não era uma boa amizade, daquelas que faz você dar risada até a barriga doer. Era daquelas tóxicas, das quais você precisa cair fora ao menor sinal de desconforto.

Mas eu não a deixei.

E não foi por falta de querer. Foi por uma sucessão de ‘não conseguir’. Não conseguir identificar quando começou, duvidar de quando continuou e não pedir ajuda, depois de aceitar que algo de errado não estava certo.

Um meme para quebrar o gelo!

Até que essa amizade me drenou tudo e me vi constantemente naquele lugar de permanente esgotamento mental (e, por vezes, físico).

Não quero dar o nome que esse lugar tem, porque acho que a palavra já foi dita tantas vezes nos últimos tempos que temo usá-la e parecer vazia – tão vazia quanto eu senti minha mente ficar em incontáveis momentos nos últimos anos.

Esse é um relato pessoal, você deve ter bem notado. E mesmo sendo extremamente meu, ele também é familiar a muita gente (outros 33 milhões de brasileiros, para ser mais exata). 

Por todos esses motivos, o bate-papo de quinta-feira (11) no Innovation Forum ON – iniciativa da ScanSource com curadoria de conteúdo de impacto da agência essense -, justamente sobre autoconhecimento, me pareceu tão próximo. Você deve até imaginar qual foi o assunto principal: estafa. E não é qualquer estafa, é aquela proveniente do digital.

O questionamento que permeou o papo, mediado pelo nosso head de projetos Wagner Hilário, foi o seguinte: evitá-la (aquela, a estafa do digital) ou viver com ela?

Cristina Grilli - médica psiquiatra e pesquisadora da USP

Notas sobre autoconhecimento (e a estafa do digital)

saúde mental, equiíbrio

A médica psiquiatra e pesquisadora da USP Maria Cristina Grilli disse a frase que mais sintetiza o que eu acredito que deva ser o “caminho da redenção”: “A noção de saúde tem a ver com equilíbrio. Primeiro, precisamos entender como funcionamos. Nosso corpo não pode ficar parado executando uma única função. Por exemplo: dormir é essencial, mas passar 24h na cama adoece tanto quanto ficar 24h acordado. Poder respeitar esse balanço do corpo é a busca pela saúde, por esse equilíbrio.”

A seguir, compartilho três momentos, os quais me chamaram mais atenção durante o bate-papo e cujos tópicos e aprendizados esbarram com a minha própria busca pessoal. Espero que, de alguma forma, também ajude você na sua caminhada.

  1. Ser 2% mais monge

No primeiro episódio do podcast Jornada da Calma, a jornalista e idealizadora do áudio-papo, Helena Galante, conta que, durante a entrevista realizada com o monge Satyanatha, tirou uma frase que, inclusive, deu título ao episódio: dá para ser 2% mais monge. Aliás, se você ainda não conhece o podcast, recomendo demais dar uma espiadinha.

Helena Galante - Jornalista e idealizadora do áudio-papo "Jornada da Calma"

Notas sobre autoconhecimento (e a estafa do digital)

Jornada da Calma, cansaço, respiração, meditação, reação

E ela explica: “A hora que eu estou cansada, depois de um dia de trabalho, mas ainda tenho mais uma reunião, eu posso escolher entre entrar nela de cara amarrada porque estou cansada, ou ser ‘dois porcento mais monge’, dar uma respirada, e entrar na reunião de uma forma diferente.”

O que eu tiro dessa frase e que dialoga com o que eu tenho aprendido – e tentado implementar na prática – nos últimos meses: não temos o controle de nada, exceto de como nos sentimos e reagimos diante de alguma situação. Problemas no trabalho irão surgir, imprevistos na vida que irão bagunçar toda a agenda que você trabalhou tanto para deixar organizada e cumprir à risca, também. Você pode ter um comportamento explosivo, sair quebrando tudo o que vê pela frente e xingar quem for – nada disso irá mudar a realidade.

E o autoconhecimento entra nesse cenário como uma ferramenta essencial. Ou como Helena mesma sintetizou: “Se tivermos mais autoconhecimento, podemos fazer escolhas melhores e, diante disso, desfrutar de sensações mais prazerosas também no dia a dia. Porque, no fim, o que queremos é ser feliz.”

  1. Não minimize

Sabe aquela história que você acha que nunca vai acontecer com você? E, mesmo acontecendo, você não consegue acreditar? Pois é. A verdade é que “pode acontecer com qualquer um”, como bem pontuou Maria Cristina, ao falar sobre como foi vivenciar o aumento de casos de depressão e ansiedade, especialmente durante a pandemia. E isso vale para qualquer doença mental.

A lição mais importante, na minha opinião, para quem está passando por um momento delicado assim é: peça ajuda. Se você parar para pensar friamente na ocasião em que doenças mentais entram em cena, o primeiro julgamento é o nosso próprio. Portanto, quebre seus próprios preconceitos, respire fundo e vá.

Para quem está próximo de uma pessoa que pode ter dado indícios dessa situação delicada, acolha. Nada de falar “vai passear, isso não é nada”, uma das frases, inclusive, que Maria Cristina citou durante o papo e que se repete por aí quando a dor não é física. Só porque não é palpável, não quer dizer que não existe.

  1. Resiliência coletiva: o exercício de falar e escutar

Indo um pouco para o lugar dos negócios, mas que também serve para outros aspectos da vida, um dos pontos da conversa foi diretamente sobre a pressão do trabalho. Na pandemia, vimos, inclusive, líderes colapsarem. Às lideranças, que são historicamente “colocadas em pedestais”, é sempre bom lembrar: vocês também são pessoas.

O que ficou de lição? Uma resiliência coletiva, como nomeou Márcia Muniz, diretora jurídica da Cisco. Do meu ponto de vista, essa resiliência pode ser definida por dois principais fatores:

  • Falar o que sente, seja liderança ou liderado, é o primeiro passo para uma transformação interna e externa (aqui, conectando com o mote do evento “Transformar pessoas para transformar negócios”). 
Márcia Muniz, diretora jurídica da Cisco

Notas sobre autoconhecimento (e a estafa do digital)

Resiliência coletiva: o exercício de falar e escutar

liderança, transformação, negócios

“O líder é vulnerável. E se colocar vulnerável nos ajuda no processo de evitar colapsos e permite que liderados também se coloquem como vulneráveis. Se meu chefe diz que precisa parar, eu também me sinto mais à vontade para fazer o mesmo”, afirmou Márcia.

  • Além disso, se colocar em um local de escuta acolhedora é essencial. “Por vezes, o outro vive uma situação que é estressante para ele e, para você, não é”, comentou a executiva. “Eu tenho de saber me colocar no lugar dessa pessoa e entender se ela está passando por estresse, se precisa de ajuda. Flexibilidade e empatia para um líder, hoje, é fundamental.”
  1. Aprenda a desacelerar

O que tem me salvado nos últimos tempos foi uma boa dose de terapia (e café, que não é lá muito recomendado para ansiosos, mas um problema de cada vez para resolver, não é mesmo?). Além disso, adotei algumas práticas já amplamente conhecidas por trazer equilíbrio: exercício físico e meditação.

Mas o que faz a roda funcionar para mim, todos os dias, é algo que se tornou um ritual matinal. Acordar. Alongar. Colocar uma música para tocar. Beber o cheiro do café quentinho. Pausar.

Essas são coisas que apliquei – na marra, vamos ser bem sinceros. E se eu puder encerrar este texto com um pedido a você, ele é: pratique o autoconhecimento. Somente assim você poderá identificar quando alguma coisa não está certa para você, identificar os seus limites pessoais e expô-los às outras pessoas.

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