Os formatos nunca foram os culpados pelo cansaço da audiência. Quer conhecer os verdadeiros condenados? Este artigo traz uma pista

Há coisas difíceis de se disfarçar. Uns não conseguem esconder o desconforto de ter a própria opinião questionada. Outros entregam o medo da exposição na respiração curta e aflita. Há quem não consiga exercitar nada mais do que pura educação quando não vai com a cara de alguém. Uns tentam engolir o jantar sofisticado, enfeitado de cogumelos pálidos e fibrosos. Muitos fingem estar presentes quando gostariam de estar em outro lugar. E ninguém consegue estar de frente com a pessoa desejada sem perder algum grau de maturidade – e é claro que todo o mundo percebe. Eu já estive em todas essas situações – você, provavelmente, também (com a exceção de que, talvez, você goste de cogumelos, o que eu lamento).

Não é por acaso que a gente se identifique com ao menos parte dessas experiências. Disfarçar não é uma habilidade humana natural, embora as convenções sociais, a insegurança, nossas manias e as condutas corporativas nos obriguem, eventualmente, a isso. Nossos gatilhos viscerais não nos deixam fingir sem deixar rastros de verdade. Assim, no teatro das nossas ações, as cenas revelam os erros de continuidade, a inconsistência dos personagens, a narrativa meramente técnica e a atuação de um diretor inocente, que tenta convencer a audiência de uma história na qual ele mesmo não acredita.

Esse choque de realidade é um dos motivos pelos quais o vídeo me fascina. Os apreciadores dos bons documentários – que, aliás, ganharam um maior (e merecido) espaço nas produções audiovisuais, recentemente – irão me entender: a arte de documentar a vida real em vídeo revela o que talvez nenhuma outra arte consiga: você pode inventar no texto, enganar na voz e, se quiser muito e treinar para isso, simular os gestos a favor dos seus interesses. Mas a face… ah, a face não mente, como diz a Claudia Cotes, fonoaudióloga que treina gente de diversos campos, como do jornalismo, para desconstruir vícios e mitos da fala em vídeo. E você se surpreenderia com a facilidade com que eles se manifestam.

Foi a Claudia, por sinal, que me colocou em uma via de desenvolvimento pessoal que eu desconhecia. Ela assistia à gravação de uma entrevista minha com um especialista de mercado quando lançou: “Por que você parece entediada?”. A crítica veio amaciada por um sorriso esperto, de quem diz: “vai, não mente pra mim”. A resposta era óbvia: porque eu estava entediada. Eu só não tinha consciência de que, na frente das câmeras, estava expondo o meu pior disfarce, vestindo uma máscara de vidro sobre uma expressão que eu sei bem como funciona – ela aparece diante de multidão, de música ruim ou, no alto da minha arrogância, de uma fonte que não tem nada de curioso ou autêntico a dizer. 

O vídeo, meu amor, não esconde nada. De rugas à preocupação predominante com a autoimagem. Do texto (mal) decorado à falta de envolvimento com o momento que está acontecendo ali, bem diante da audiência invisível. Dos quilos a mais à formalidade que não convence ninguém, seja na linguagem convencionalmente jornalística, na postura executiva, no rigor acadêmico ou na desenvoltura verbal sem conteúdo.

O mesmo vale para as transmissões ao vivo, claro. Nesses tempos tensos e imprevisíveis de pandemia, resta-nos uma certeza: a de que haverá live.

Algumas pessoas têm me perguntado: mas quem é que vai assistir a tanta live? É uma questão importante para se pensar, mas que não traz qualquer ineditismo para quem trabalha com o desafio de produzir conteúdo de impacto – seja qual for a plataforma. Os formatos nunca foram os verdadeiros culpados pelo cansaço da audiência, ou pelo aborrecimento dos leitores (mas quem vai consumir tanta matéria, tanto artigo, tanta vontade de se dizer o que pensa?). No banco dos condenados, descansa a falta de originalidade, de repertório, de preparo e de cuidado – no caso das transmissões ao vivo, com um agravante: a displicência com a estética. Já cansou de conhecer o teto da casa das pessoas e assistir a cabeças flutuantes, sem pescoço, falando com você? Eu te entendo. Mas esse é assunto para outro artigo.

Vídeo não esconde nada, lembra? Essa é a base sobre a qual a originalidade, o repertório, o preparo e o cuidado se desenvolvem. Descobrir que você não tem o que fingir – e nem precisa – diante das câmeras é libertador. Por que você não experimenta também e me conta?

Serviço relacionado

No items found.