O conteúdo não deve ser visto como uma forma de forçar uma demanda, porque é impossível forçar uma compra em um mercado complexo. O modelo atual gera métricas expressivas, porém, muitas vezes, vazias

“Caetano Veloso caminha pelo Leblon e estaciona carro”

mídia brasileira, 2011

Quando o jornalismo online ganhou as redações brasileiras, o anunciante finalmente conseguiu ver o que, antes, era ou inacessível ou superficial: os resultados quantitativos de ações de publicidade. Os repórteres e editores, por sua vez, descobriram no que o leitor estava de fato interessado.

Não foi uma descoberta muito feliz para aqueles que estavam confortáveis com o modelo vigente, mas representou o início de uma nova era. E nesse mudança, o clique (quase) matou o jornalismo.

Redações investiram em conteúdos que gerariam volume de acesso. Não necessariamente o melhor conteúdo. Não necessariamente o conteúdo mais relevante para a sociedade. Foi assim que as não-notícias – como a célebre “Caetano Veloso passeia pelo Leblon e estaciona carro” – ganharam destaque. Inclusive, de 2011 para cá, todo dia 10 de março se comemora o aniversário dessa emblemática manchete – uma brincadeira com o que mimetizou – e, por que não, “memetizou” –  toda essa crise de identidade do jornalismo.

Eu era uma foca – enigmático, porém carinhoso, apelido pelo qual os estagiários de jornalismo são conhecidos – quando a magia do hard news online começou a desvanecer. O volume de investimento em publicidade migrou da mídia tradicional para a online – mas não na mesma proporção. A mídia enfrentou uma grande crise, que culminou no fechamento tanto de veículos tradicionais quanto digitais. Todos perdemos com isso.

E a comunicação B2B atravessa, agora, o mesmo momento de ruptura que o jornalismo enfrentou anos atrás. As métricas do inbound marketing – que representaram o grande trunfo do departamento de marketing e comunicação, comprovando o retorno sobre o investimento (ROI) das ações – são capazes não somente de enfraquecer uma estratégia de comunicação corporativa, quando mal dosadas e/ou usadas fora de contexto, como também de matar a credibilidade de uma marca.

Há cerca de oito anos, quando o marketing de conteúdo e o inbound marketing começaram a ser usados como estratégia de posicionamento das empresas, o oceano era azul. Os temas tratados em blogs e outras plataformas tinham um certo ineditismo e o público, que até então só via a possibilidade de se informar em sites de notícias ou materiais acadêmicos, encontrou nas marcas uma importante ferramenta de atualização. Não à toa que, segundo a “Trust Barometer”, pesquisa global realizada anualmente pela Edelman, as empresas são as entidades mais confiáveis para o mercado – estando à frente de governo, organizações não-governamentais e mídia (veja na imagem). Mas hoje, o oceano está vermelho. A produção de conteúdo corporativo explodiu e a qualidade deu lugar ao volume. O conceito foi sucateado – não por estar ultrapassado, mas porque o modelo não evoluiu para encontrar um oceano inexplorado. Vou chegar lá.

No desespero para gerar tráfego para o site da empresa e engordar o pipeline com leads, blogs corporativos acabam recheados com conteúdos tão rasos quanto volumosos. Posts, geralmente, são pensados para satisfazer as ferramentas de busca, e não aqueles a quem se destinam os conteúdos. O resultado são textos desnecessariamente gigantes (que eu gosto de chamar de linguiçudos), que poderiam ser reduzidos a um quarto do tamanho. Mas essa receita  dá “resultado”: o volume de tráfego ao blog cresce, e a geração de leads, também.

E é aí que o clique mata a comunicação B2B.

Quem é essa audiência? Ela realmente está conectada à proposta de valor da empresa? E o conteúdo que trouxe essas pessoas ao site da companhia, tem qualidade e diferenciação o suficiente para gerar engajamento e confiança com a marca?

Em sua última carta anual aos stakeholders, Jeff Bezos, CEO da Amazon, alertou o mercado sobre a necessidade de os fornecedores manterem altos padrões. “Uma coisa que eu amo nos clientes é que eles são divinamente descontentes. Sua expectativa nunca é estática – sempre sobe. É a natureza humana. Nós não avançamos de nossa era como caçadores e coletores por estarmos satisfeitos. As pessoas têm um apetite voraz para um jeito melhor, e o ‘uou’ de ontem, rapidamente, se torna o ‘comum’ de hoje”.

As estratégias de compartilhamento de conteúdo no B2B ainda podem ter um “uou”. Mas será preciso mudar a forma como foram feitas até aqui.

E aí entram diferenciação – tanto em formato, quanto em linguagem – do conteúdo, seja ele escrito ou audiovisual. Falo de uma abordagem humanizada, na qual visão de bastidores, perspectivas pessoais e um combinado de conhecimento teórico com empírico destacam aquele material dos demais. Mas falo, acima de tudo, de um propósito autêntico em compartilhar conhecimento, do verdadeiro intuito de ajudar o próximo.

E só é possível seguir esse caminho se as métricas deixarem de ser o grande trunfo do departamento de marketing. O qualitativo deve sobrepor o quantitativo. Praticamente todas as empresas de content marketing de maior sucesso dos Estados Unidos – especificamente 90% delas – priorizam a informação que a audiência deseja frente à sua mensagem comercial. Pouco mais da metade das marcas de menor sucesso (56%), por sua vez, tomam esse mesmo caminho.  Os dados são do Content Marketing Institute (CMI).

Veja só: desprender-se do direcionamento meramente comercial para a produção do conteúdo comprovadamente gera melhores resultados comerciais.

Essa constatação não é até óbvia?

Uma empresa só existe porque atende uma necessidade real do mercado. E, para atender essa necessidade real do mercado, ela precisa conhecer profundamente esse mercado, porque somente esse conhecimento a habilita a apresentar as soluções mais adequadas ao perfil de cada cliente. E quando ela compartilha esse conhecimento de uma forma sincera, em um formato cativante e legitimamente desinteressado, gera laços de confiança com seus potenciais clientes. Quando precisarem de uma ajuda especializada, esses potenciais clientes vão se tornar clientes. Tão simples quanto natural.

O conteúdo não deve ser visto como uma forma de forçar uma demanda. Não dá para forçar uma compra em um mercado complexo como o B2B. E de nada valem números expressivos, porém vazios. O compartilhamento do conhecimento serve como forma de posicionar a companhia para que o mercado saiba que ela existe e que está à disposição para ajudar a quem precisa. É uma forma efetiva, relevante e generosa de comunicar e engajar o cliente – na qual todos ganham. E pode ter certeza: as métricas – de acesso, leads e geração de negócios –  virão como espontânea, e irrefreável, decorrência.

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